Por maiorias do votos "SIM" Câmara aprova projeto que legaliza jogo do bicho, bingos e cassinos no Brasil
Câmara aprova texto-base de projeto que legaliza jogos de azar e cria regras para exploração de apostas

Legislação atual trata como contravenção penal esse tipo de atividade. Deputados ainda precisam analisar os chamados 'destaques', possíveis alterações no conteúdo da proposta.
A Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta quinta-feira (24), por 246 a 202, o texto-base de um projeto de lei que legaliza os chamados "jogos de azar" — como bingo, cassino e jogo do bicho.
Os parlamentares ainda precisam analisar os chamados destaques, sugestões para mudanças no texto. A previsão é que a análise aconteça na manhã desta quinta-feira (24). Concluída esta etapa, a proposta será encaminhada ao Senado.
A proposta autoriza a prática e a exploração no Brasil de:
- jogos de cassino;
- jogos de bingo;
- jogos de vídeo bingo;
- jogos on-line;
- jogo do bicho;
- apostas em corridas de cavalos (turfe).
O texto revoga uma lei de 1946 que proíbe a exploração de jogos de azar em todo o território nacional, além de dispositivos da Lei de Contravenções Penais que estabelece penas para a prática.
Atualmente, a Lei de Contravenções Penais trata os jogos de azar como contravenções, com pena de prisão simples, de três meses a um ano e multa. No caso de jogo do bicho, a pena é prisão simples, de quatro meses a um ano e multa.
Segundo a proposta, caberá ao Ministério da Economia a formulação de políticas para organizar o mercado de jogos e de apostas, além de fiscalizar e supervisionar a exploração dessas atividades no Brasil.
O texto aprovado tem origem em uma proposta apresentada em 1991. A votação foi precedida de uma série de reuniões entre o relator, Felipe Carreras (PSB-PE), e líderes partidários, nesta quarta (23), para ajustes no texto.
A última versão do relatório foi protocolada às 21h25, quando o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), favorável ao projeto, já anunciava a discussão do texto.
Regras
O projeto permite a exploração de jogos e apostas apenas por pessoas jurídicas licenciadas pelo Ministério da Economia.
As empresas licenciadas devem:
- ter sede e administração no Brasil;
- acumular apenas a atividade com o comércio de alimentos e bebidas e a realização de eventos artísticos e culturais;
- incluir em sua denominação social a expressão “entidade operadora de jogos e apostas”.
A exploração de jogos e apostas só poderá ocorrer em locais físicos ou virtuais registrados em órgão regulador – sem especificar qual será essa entidade. Se não houver registro, a proposta prevê que os provedores de internet devem proibir o acesso a esses sites.
São proibidos de ser acionistas e de exercer cargos ou função de administração e direção das empresas que exploram jogos e apostas:
- ocupantes de cargos, empregos e funções públicas de direção;
- ocupantes de cargos ou empregos públicos com competência para regulação ou supervisão de qualquer espécie de jogo, aposta ou loteria;
- administradores de sociedades empresárias, fundações ou pessoas jurídicas de Direito Privado, cujo capital seja constituído, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, por recursos estatais.
A proposta cria ainda alguns requisitos para as operadoras de jogo, entre eles:
- origem lícita dos recursos utilizados na integralização do capital social, na aquisição de controle e de participação qualificada;
- reputação ilibada dos controladores e dos detentores de participação qualificada;
- identificação da origem dos recursos usados na atividade;
- identificação dos integrantes do grupo de controle da empresa e dos detentores de participação em seu capital social.
Para assumir cargos de administração nas operadoras de jogos e apostas, é necessário, por exemplo, que a pessoa tenha reputação ilibada, não seja condenada e tenha residência no Brasil.
A nomeação ou eleição dos integrantes dos órgãos estatutários deve ser aprovada pelo Ministério da Economia em até 15 dias.
Cassinos
O texto autoriza, mediante credenciamento no Ministério da Economia, a exploração de jogos em cassinos, em prédios e em embarcações.
Os cassinos, pela proposta, deverão funcionar junto a complexos integrados de lazer, com hotéis, restaurantes, bares, e centro de compras.
O texto estabelece limites para a autorização de cassinos:
- 1 estabelecimento por estado com população de até 15 milhões de habitantes;
- 2 estabelecimentos por estado com população entre 15 milhões e 25 milhões de habitantes;
- 3 estabelecimentos por estado com população maior que 25 milhões de habitantes.
O texto proíbe a concessão de mais de um cassino por estado para o mesmo grupo econômico. O credenciamento de cada cassino será feito por leilão público, na modalidade técnica e preço.
Entidades turfísticas
O projeto prevê que as entidades turfísticas — credenciadas pelo Ministério da Agricultura e organizadas na forma de Jockey Clube para realização de corridas de cavalo com exploração de apostas — podem ser licenciadas para a exploração de:
- apostas turfísticas;
- jogos de bingo;
- jogos de vídeo bingo.
Pela proposta, a arrecadação com os jogos e apostas deve ser revertida apenas para o benefício da entidade.
Agentes de jogos e apostas
Ainda, segundo o texto, aquele que exercer a atividade de coordenação, condução ou mediação de jogos e apostas deve seguir alguns requisitos, são eles:
- ter concluído o ensino médio no país ou equivalente no exterior;
- ter fluência na língua portuguesa, se for estrangeiro;
- ser aprovado em exames de certificação técnica e ética definidos pelo órgão regulador federal.
Além disso, a pessoa que assumir a função não pode ter sido condenada por alguns crimes, como improbidade administrativa, sonegação fiscal, prevaricação, corrupção ativa ou passiva e peculato.
Jogadores e apostadores
O texto também estabelece que apenas maiores de idade, "no pleno exercício de sua capacidade civil", podem participar de jogos e apostas.
Estão proibidos de praticar a atividade, por exemplo:
- empresas;
- sociedades não personificadas e os entes despersonalizados;
- quem for excluído ou suspenso do registro de jogadores e apostadores, por vontade própria ou decisão judicial;
- pessoas declaradas insolventes ou privadas da administração de seus bens;
- agentes de jogos e apostas com registro ativo;
- agentes públicos que integrem órgãos de regulação ou supervisão dos jogos e apostas.
Sistema de Auditoria e Controle
A proposta prevê ainda a criação de um software de gestão chamado "Sistema de Auditoria e Controle" (SAC) para que o Ministério da Economia possa acompanhar as apostas e pagamentos de prêmios dos jogos de azar.
O programa deve conter um sistema "cashless", que impede a introdução de moedas ou cédulas de dinheiro nas máquinas eletrônicas e mesas de jogos de azar. Esse modelo deve trazer o armazenamento de créditos em cartão, com a identificação do jogador.
Pelo texto, a inserção de cédulas ou moedas diretamente nas máquinas está proibida.
Todos os jogadores devem ser identificados, na forma de regulamento. No caso de residentes no Brasil, a identificação será por meio de CPF e documento de identidade. Já residentes no exterior devem ser identificados por passaporte.
Impostos e empregos
O relator do projeto, o deputado Felipe Carreras (PSB-PE), citou cálculos que estimam que os jogos ilegais no Brasil movimentem mais de R$ 27 bilhões por ano, superando em quase 60% os oficiais, que geram R$ 17,1 bilhões.
O deputado também disse que a legalização dos jogos no Brasil pode arrecadar cerca de R$ 20 bilhões por ano em impostos, gerar mais de 200 mil novos postos de trabalho, além de formalizar 450 mil empregos.
Para justificar a matéria, Carreras diz ainda que dos países que formam o G20, 93% têm os jogos legalizados.
“Apenas Brasil, Arábia Saudita e Indonésia não permitem, sendo que os dois últimos são islâmicos”, afirmou o relator.
“O que se vê, portanto, é que o jogo é uma prática disseminada globalmente e existem diversos modelos de marcos regulatórios que disciplinam desde a tributação até os locais onde poderá ser explorado e os requisitos que cada estabelecimento precisa seguir”, disse Carreras
Vício
Sobre o fato de o jogo se tornar algo patológico para os apostadores, o vício em jogar (ludopatia), o relator afirma que a proibição não inibe a prática.
Carreras diz que “não é o fato de o jogo estar na ilegalidade que vai impedir o jogador patológico de jogar, assim como nenhum outro vício deixa de existir pelo fato de ser proibido”.
“Desta forma, entendemos que a regulamentação pode ser instrumento eficiente para acionar alertas em relação à prática abusiva, favorecendo, inclusive, a imposição de limites e controles na ação dos indivíduos”, declara o relator.
Publicidade
O projeto também cria regras para publicidades que envolvam jogos e apostas. Primeiro, é determinado que as empresas e operadoras terão que dispor, via endereço na internet, o número da licença para operação e uma mensagem de aviso acerca dos riscos e dos transtornos de comportamento associados ao jogo e à aposta. A fiscalização caberá ao órgão regulador.
Ainda, de acordo com o texto, as empresas que não tiverem a licença não poderão realizar campanhas publicitárias, que deverão ser pautadas pela responsabilidade social e pela busca da conscientização do jogo responsável.
Além desse critério, a proposta define também uma lista de condutas que estão vedadas nas campanhas:
- afirmações infundadas sobre as probabilidades de ganhar ou os possíveis ganhos que os jogadores podem esperar obter do jogo ou da aposta;
- sugerir que o jogo contribui para o êxito social;
- sugerir que jogar ou apostar é um ato ou sinal de virtude, coragem e maturidade;
- sugerir que não jogar é sinal de fraqueza;
- sugerir que jogos e apostas contribuem para solucionar problemas de ordem social, profissional ou pessoal;
- sugerir que jogos e apostas são alternativa ao emprego, solução para problemas financeiros ou uma forma de investimento financeiro;
- ofender crenças ou tradições contrárias ao jogo e à aposta;
- dirigir a publicidade ou contar com a participação de crianças ou adolescentes.
Lavagem de dinheiro
O uso dos jogos em esquemas de lavagem de dinheiro, um dos pontos usados por críticos da proposta para defender a rejeição do texto, é abordado no projeto.
Segundo a proposta, as entidades responsáveis pelos jogos deverão criar políticas para prevenir o uso de práticas de lavagem e de financiamento do terrorismo. As políticas deverão estar documentadas, com atualizações constantes, e disponíveis a funcionários, parceiros e prestadores de serviços.
Os critérios para a formulação serão definidos, após o início da vigência da lei, pelo Ministério da Economia.
Ainda, de acordo com o texto, uma das etapas de prevenção será o registro das atividades ocorridas no local de jogos. As responsáveis deverão adotar procedimentos para coletar e validar: informações pessoais dos jogadores, funcionários, parceiros e prestadores de serviço terceirizado; o registro das operações de jogos e apostas; e o monitoramento de comportamentos e situações suspeitas.
Taxa de fiscalização
A proposta estabelece ainda a Taxa de Fiscalização de Jogos e Apostas (Tafija), que será de competência do Ministério da Economia. Serão contribuintes as entidades operadoras de jogos e apostas e as entidades licenciadas.
A tarifa será cobrada em valores trimestrais até o dia 10 dos meses de janeiro, abril, julho e outubro:
- casas de bingo: R$ 20 mil por estabelecimento licenciado;
- cassinos: R$ 600 mil por estabelecimento licenciado;
- jogo do bicho: R$ 20 mil a cada entidade licenciada;
- jogos online: R$ 300 mil por domicílio licenciado.
Os valores serão atualizados anualmente a partir da taxa básica de juros, a Selic. O não pagamento das contribuições será inscrito nos débitos em atraso da União.
CIDE-Jogos
Além da taxa de fiscalização, o projeto também cria a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) - Jogos. Desde a Constituição de 1988, diferentes tipos de Cide foram instituídas. Entre elas, está a CIDE sobre atividades de importação e comercialização de petróleo e seus derivados, a CIDE-Combustíveis.
No caso dos jogos, a CIDE-Jogos vai incidir sobre a receita bruta dos jogos e apostas (a diferença entre o total das apostas efetuadas e o total dos prêmios pagos) dos estabelecimentos regulados.
A alíquota será de 17% sobre a receita bruta auferida em decorrência da exploração de jogos. O pagamento da CIDE-Jogos também será trimestral.
Segundo o texto, os recursos obtidos por meio do tributo terão os seguintes destinos:
- 12% Embratur;
- 10% financiamento de programas e ações na área do esporte;
- 10% fundo nacional da cultura;
- 4% financiamento dos programas e ações compreendidos no âmbito da saúde pública;
- 4% financiamento dos programas e ações de saúde relacionadas a ludopatia;
- 6% fundo nacional de segurança pública;
- 4% Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente;
- 4% financiamento de programas e ações de defesa e proteção animal;
- 4% Fundo de Financiamento Estudantil (FIES);
- 5% para ações de reconstrução de áreas de risco ou impactadas por desastres naturais e ações para construção de habitações destinadas à população de baixa renda remanejadas de áreas de risco ou impactadas por desastres naturais;
- 5% Para ações destinadas para prevenção de desastres naturais no âmbito da defesa;
- 16% para o Fundo de Participação dos Estados (FPE);
- 16% para o Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
Imposto sobre prêmios
Jogadores e apostadores também terão tributos cobrados. Incidirá o Imposto de Renda sobre os prêmios que tiverem valor igual ou superior a R$ 10 mil (corrigidos anualmente pela Selic).
A alíquota cobrada será de 20% do valor a ser pago pelo apostador e o tributo deve ser retido pela empresa operadora de jogos e apostas.
Crimes
O projeto de lei estabelece como crimes, entre outros:
- a exploração de jogos e apostas sem atendimento dos requisitos legais, com pena de reclusão, de 2 a 4 anos, e multa;
- fraudes nos jogos e apostas, com pena de reclusão, de 4 a 7 anos, e multa;
- permitir que menores de 18 anos participem ou ingressem em ambientes de jogos e apostas, com pena de detenção, de 6 meses a 2 anos, e multa;
- dificultar a fiscalização, com pena de reclusão, de 1 a 3 anos, e multa.
Fonte: g1.globo.com